Escolha consciente

Quando era mais pequena, achava que ser adulto era ser responsável, sábio e coerente.  (escusado será dizer que) Já perdi essa ideia faz tem...


Quando era mais pequena, achava que ser adulto era ser responsável, sábio e coerente.  (escusado será dizer que) Já perdi essa ideia faz tempo.

"Daniela, como estão as coisas em Londres?"
"Por quanto tempo lá vais ficar?"
"Estás a construir o teu próprio negócio, fantástico! Fica por lá, vais ter um grande futuro."

Adultos gostam muito de opinar sobre a vida dos outros. E isso é... normal. Muitos dizem que isso é errado, e eu no fundo concordo, mas não deixa de ser a realidade. Mas esse não é o meu ponto. A questão é: tenho tido muuuita gente a opinar sobre a minha, às vezes até de mais.

Toda a gente pensa que viver em Londres é viver na cidade da prosperidade em que podemos ser ricos e super famosos. Apesar da realidade da maior parte daqueles que aqui estão esteja beeeem longe disso, isso não é totalmente mentira, se as pessoas aceitarem passar a vida toda delas a trabalhar.
Desde que me mudei para cá que ouço constantemente a pergunta "gostas de lá viver?".
Por muito tempo disse que não, até que me habituei, e talvez me acomodei. Agora, "tem dias que sim, outros que não. Mas sim, eu gosto de viver aqui, hás vezes até demais. Outras vezes, tenho saudades da aldeia e do som do mar.

Levou cerca de 2 anos até eu começar a gostar de aqui estar. Trabalhei imenso, fiz muito trabalho que não gostei, lidei com muita gente desagradável, e submeti-me a muito que eu não queria me submeter. Mas fi-lo. Passei de uma pastelaria (onde fui maltratada por clientes, trabalhei quando as pessoas dormiam e dormia para voltar ao meu segundo horario 7 horas depois) a um trabalho na área mal pago, fui obrigada a ser trabalhadora por conta própria quando nem sabia como lidar com isso, e agora vou deixar tudo para trabalhar num estúdio que é meu. Consegui montar o meu próprio negócio, e agora estou a investir do meu tempo e dinheiro para me lançar online. Mas nada disto aconteceu do dia para a noite. Todo o investimento feito naquele estúdio no jardim apareceu com esforço, e com muita dedicação e trabalho.
A realidade é: vivendo nesta cidade, eu tenho acesso a um tipo de vida diferente, se eu lutar por ela - ela não cai do céu. Fui eu que deixei família e amigos para trás, o sol de todos os dias, o cheiro a pão fresco, frango de churrasco e do oceano, para conseguir aquilo a que as pessoas chamam de "uma vida melhor".
Se eu decidisse ficar por aqui o resto da minha vida, eu investiria do meu tempo para trabalhar, ganhar dinheiro, e viajar por todo o mundo. Tooooooodo o mundo. Sou uma aventureira de raíz. Gosto de colocar a mochila às costas, máquina fotográfica e simplesmente ir. Com destino, mas sem certezas. Tenho saudades do meu tempo na Polónia. Tenho saudades daquela liberdade e aventura.
Eu provavelmente faria da minha vida uma aventura até me cansar (se isso acontecesse), e investiria os meus esforços nas redes sociais. Facilmente conseguiria angariar seguidores, e bom, eu teria aquilo que muitas pessoas sonham em ter: "sucesso", "prosperidade" e "dinheiro". Não porque a vida mas ofereceu, mas porque eu decidi desistir de outras coisas na vida para alcançar estas. Ter dinheiro, ser popular e bem aparecido, essa é a definição de sucesso para as pessoas na sociedade atual. Ter 800k seguidores, ser patrocinado por companhias e ter um instagram feed repleto de fotos de todos os locais no mundo. Ser blogger está na moda, ser youtuber é fixe, e agora somos exemplos de inspiração se comermos saudável e fizermos exercício (ou pelo menos fingirmos).
Eventualmente poderia pensar na ideia de viver em países diferentes, ao invés de ficar sempre no mesmo local.
Bom... eu passaria a minha vida a fazer o que amo: viajar, fotografia e ser livre. Como sempre quis ser. Viajaria muitas vezes sozinha, mas conheceria muitas pessoas pelo meu caminho, tiraria fotografias com o meu temporizador, ao invés de ouvir as pessoas ao meu redor reclamar porque eu gosto de ter recordações dos locais por onde passo. Viveria no meu mundo como sempre o fiz, envelheceria sozinha (quem sabe), e quando fosse a minha hora, não teria arrependimentos.
Só que não...

De certa forma Deus colocou no meu caminho pessoas, que me fazem ver o bom e o mau em mim. Uma pessoa que me mostra TODOS OS DIAS que eu tenho valor, e muito - mas uma pessoa que me prende a uma vida diferente - não porque ele exija isso de mim, mas porque essa é a unica forma de ele ser feliz. E se eu prefiro aceitar essa vida diferente, é porque para mim, vale mais 60% da companhia dele e 40% de aventuras, do que 0% dele e 100% de aventuras. 
Algumas pessoas dizem que me vou arrepender, e existe essa possibilidade. Mas quem diz isso, não faz a minha ideia de que um dos meus maiores medos é arrependimento, e que é esse medo que alimenta a minha aventura constante e decisões (por vezes) irracionais. Sou cobarde de mais para aceitar arrependimento e prefiro correr atrás da vida do que não fazer nada e me perguntar "e se...?"
Então não, não creio que fosse ser feliz a seguir essa via de aventura a 100% e sozinha. O arrependimento e os "ses" seriam demasiado grandes para o que eu (potencialmente) ganharia.

No fundo, eu sei que esta é a escolha mais consciente. O relógio vai fazendo o seu tiktok enquanto eu remo contra o tempo e continuo a investir horas e horas todos os dias porque sei que o meu tempo nesta cidade vai-se incurtando cada vez mais. E se eu quero ter aventura, uma vida feliz e amor, eu tenho que dar à sola.

E enquanto eu me foco desesperadamente no agora para tentar atingir aquele futuro que nunca sei quando vou atingir, vou-me tornando naquilo que eu nunca quis ser.

A Daniela da infância sempre vivia no seu mundo e era livre, positiva e feliz. Ela ainda não conhecia o mundo, e contentava-se com a ideia de simplesmente viver perto daqueles que amava, naquele mundo confortável dela. Discordava redondamente com pessoas que viam a vida como apenas trabalho, e não aproveitavam as pequenas, simples coisas.

A Daniela de agora parece-se muito mais com as pessoas que ela repugnava em idade pequena. Virada para o negócio e o sucesso da vida, ainda aprecia as pessoas que ama, mas facilmente as deixa de lado, ocupando-se com tudo o resto, que no fundo, não tem valor nenhum. E não importa o quanto ela tente perceber isso e mudar, anos após ano, ela continua a ser como um hamster em circulos, na esperança de sair dele - quando tudo que ela tem que fazer, é parar de rodar a roda.

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